Com suas costuras amarelas e solado característico marcante, elas conseguem transformar qualquer visual. Estão presentes nos pés mais famosos do mundo da música. Elas são presença constante em grandes festivais. São símbolos de força, resistência e rebeldia, sem nunca perder o conforto. Hoje, são calçados perfeitos para sair chutando lata ou companheira confiável para qualquer tarefa, seja ela qual for. Você as usa como quiser. Você faz delas o que quiser. Elas mudam com a moda, à medida que a moda muda. Assim são as icônicas botas e coturnos da inglesa Dr. Martens.
A história
A história de um dos mais fortes ícones do setor de calçado começou na década de 1940, com um médico alemão chamado Klaus Märtens. Ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1945 e auge de seus 25 anos de idade, enquanto se recuperava de uma fratura no tornozelo e como as botas do uniforme oficial o incomodavam naquela situação, ele resolveu criar um calçado, que fosse mais confortável e que ajudasse na sua recuperação, utilizando para isso um couro mais macio e sola acolchoada. Ele então idealizou uma sola com amortecimento aerado para substituir as tradicionais solas de couro. Utilizando uma forma de sapateiro improvisada, ele desenvolveu um protótipo e despertou o interesse de um antigo colega de faculdade, o engenheiro mecânico Dr. Herbert Funk. Reaproveitando excedentes de guerra e material reciclado, incluindo restos de borracha da Força Aérea Alemã (a temida Luftwaffe), os dois desenvolveram uma técnica para unir o cabedal e a sola, criando compartimentos de ar que amorteciam o impacto nos pés. Os dois amigos então firmaram uma parceria e começaram a vender calçados (botas e coturnos) de porta em porta. A produção começou oficialmente em 1947, um ano perfeito para isso. Afinal, os europeus haviam passado cinco anos com botas militares nos pés. Conforto era o que mais desejavam.
Em 1952 o negócio prosperava e a operação saiu de uma acanhada cabana para uma fábrica, inaugurada na cidade de Munique. Nesta época, o mercado alemão se tornou pequeno demais para os produtos da empresa, e a dupla resolveu que estava na hora de vender seus inovadores calçados para outros países. Um acontecimento iria mudar os rumos da empresa alemã. Isto porque, Bill Griggs, terceira geração de sapateiros e que administrava um negócio familiar que fabricava botas desde 1901 na Inglaterra, estava folheando uma revista inglesa especializada em calçados quando viu um anúncio promovendo uma sola feita na Alemanha. Interessado, ele entrou em contato com Klaus e Herbert e adquiriu uma licença de exclusividade para produzir o calçado.
A vasta experiência calçadista dos ingleses trouxe algumas mudanças importantes para o produto alemão. A sola ganhou um novo design, com o salto que conhecemos hoje. O cabedal ficou mais alto e simples, lembrando um sapato mais tradicional. A famosa costura amarela, bem como os vincos e sulcos no solado também foram ideias de Bill Briggs. Para finalizar, todas as solas eram marcadas com “AirWair” (sistema patenteado pela empresa inglesa), além do puxador preto e amarelo com o slogan “With Bouncing Soles” (algo como “Com solas que saltam”). Fruto da colaboração entre a tecnologia alemã e a tradição calçadista inglesa, exatamente no dia 1º de abril de 1960, era lançada a icônica bota/coturno Dr. Martens 1460. Essa primeira versão oficialmente britânica era feita em couro napa (pele fina e macia), como o couro de carneiro ou de cabra por meio de um curtimento especial, e com 8 ilhoses na cor vermelho-cereja.
Desde o começo as botas da marca inglesa foram um grande sucesso tanto entre homens quanto mulheres. Os primeiros clientes foram carteiros, policiais, fazendeiros e operários que trabalhavam no chão de fábrica, e precisavam de um calçado resistente e confortável. Eles gostaram do conforto durante as longas caminhadas e jornadas e da resistência que a sola possuía a óleos (escorregadios). Um fato curioso e surpreendente foi que as donas de casa (na época, não era tão comum uma mulher sair para trabalhar) também aderiram ao calçado.
Mas um fator foi determinante para o sucesso inicial das botas Dr. Martens. A década de 1960 vivenciava uma onda de mudança sem precedentes na sociedade. Foram anos de novas ideias, agitação cultural e, eventualmente, revoluções sociais. Esta atmosfera radical trouxe também uma moda mais extravagante. Os jovens não queriam ser como seus pais, vestindo roupas de cor cinza conformista dos anos de 1950. E foi em meio a toda essa confusão que algo incrível aconteceu: jovens rebeldes excluídos da camada alta da sociedade começaram a usar a bota Dr. Martens como um símbolo da classe trabalhadora. E durante anos as botas Dr. Martens carregaram a credibilidade dessa classe. Um bom exemplo era um político do partido trabalhista, chamado Tony Benn, que só usava botas Dr. Martens na tentativa de expressar solidariedade com os sindicatos.
Outro fator importante para a popularidade da botas Dr. Martens foi o movimento skinhead (não confundir com o significado atual). Eram jovens multi-culturais, amantes do gênero musical ska, que defendiam orgulhosamente o estilo da classe trabalhadora britânica, antes do movimento ser sequestrado por forças racistas. Os jovens adeptos a esse movimento começaram a comprar as botas da marca por um motivo: o modo como o couro era cortado na parte da frente da bota para revelar os bicos de aço, as faziam serem vistas como armas, dando mais segurança para quem as usava.
Quando as botas Dr. Martens já eram calçadas por grupos de jovens ingleses da classe trabalhadora, uma grande revolução aconteceu em 1967 e impulsionou-as para os holofotes dos festivais de rock e para a visibilidade dos movimentos de contra-cultura. Um fato contribuiu para isto: em Londres, um homem esguio, magro e narigudo, entrou em uma loja de roupas para trabalho, comprou um macacão azul escuro e ao avistar uma bota com sola de borracha da Dr. Martens, resolveu levá-la também. Este homem era Pete Townshend, líder da banda The Who, uma das personalidades mais influentes da época (e na história do rock). O guitarrista do The Who foi uma das primeiras celebridades a calçar a bota Dr. Martens como um símbolo de orgulho da classe trabalhadora. A atitude agressiva da bota proporcionava força e confiança para todos os que as usavam, e talvez tenha sido esse principal elemento responsável por democratizar a Dr. Martens. A música “Uniforms”, de Peter Townshend, tem um trecho que representa bem este sentimento: “It don’t matter where you’re from, what matters is your uniform. Wear your braces ’round your seat, Dr. Martens on your feet”.
Essa iniciativa mudou a história da marca, que deixou de ser um acessório para o trabalho, e se tornou essencial para a cultura da época. Ao final da década de 1970, as botas da Dr. Martens haviam se tornado um forte símbolo de expressão pessoal no coração da cultura juvenil britânica. Nos anos de 1980, foi notado um crescimento na venda dos tamanhos masculinos menores, mostrando que as mulheres também eram fãs do estilo britânico. Foi então que a Dr. Martens iniciou a venda dos coturnos e botas femininos. Além disso, populares bandas americanas começaram a levar a moda e as botas da marca para a costa leste, criando tendência entre os consumidores americanos. Já na década de 1990, o grunge transformou o mundo da música e levou a Dr. Martens para milhões de jovens ao redor do mundo. Foi nesta década que a marca inaugurou suas primeiras lojas próprias na Inglaterra. A partir dos anos de 2000, a marca ampliou sua oferta de produtos ao lançar sapatos, sandálias e botas steel-toed, feitos exclusivamente com os solados AirWair.
Mais de 50 anos após o lançamento da marca em solo britânico, a Dr. Martens precisou se reinventar. A juventude moderna passou a ter mais consciência ambiental e, portanto, evitando qualquer tipo de pele, camurça, pelo, lã ou seda, além de não utilizar colas que contenham produtos animais ou derivados. Retornando às raízes da marca, de que todos pudessem usar os seus produtos, em 2011 foi lançada a coleção vegana Dr. Martens com os modelos clássicos da marca. Mantendo a mesma qualidade de produção, mas com materiais cruelty free: o calçado é feito com sarja, um tecido leve, mas duradouro. Além da bota clássica, outras opções veganas surgiram, como por exemplo, os sapatos femininos Polly T-Bar e botas de plataforma, ambos feitos com “Cambridge Brush”, um material sintético brilhante que dá a aparência final de couro natural. O ano de 2011 também foi marcado por uma tentativa mal-sucedida de lançar uma linha de vestuário.
Em 2013, a família Griggs vendeu a Dr. Martens para o grupo de participações privadas Permira em uma transação avaliada em US$ 410 milhões. Além disso, a marca lançou uma linha de acessórios composta por meias, além de bolsas e mochilas em couro. Antes da pandemia, a Dr. Martens estava investindo cuidadosamente em sua expansão internacional. A empresa incorporou Miami e Houston à rede de lojas nos Estados Unidos em setembro de 2019 e estava concentrando sua presença física na França e na Alemanha. Porém, durante a pandemia - com a maioria de suas lojas e grandes varejistas de calçados fechados por meses em virtude de lockdowns - a operação digital da marca impulsionou as vendas, e a Dr. Martens comercializou 700 mil botas/coturnos a mais nos seis meses até o final de setembro em comparação com o mesmo período do ano anterior.
As botas e coturnos Dr. Martens já superaram associações passadas negativas, pois eram calçados símbolos nos pés de hooligans e fascistas. Os conceitos de auto-expressão e rebeldia ainda são o cerne da marca, e o grande apelo de seus calçados é justamente o seu histórico riquíssimo. Mas em sua essência, a Dr. Martens está totalmente vinculada à música. Sem a música, e as subculturas que existem ao redor dos gêneros musicais, ela seria apenas mais uma bota de trabalho.
Tough as you. (2019)
Stand for Something. (2013)
Forever. (2007)
Outside of ordinary. (2004)
With Bouncing Soles. (1960)
● Origem: Inglaterra
● Fundação: 1 de abril de 1960
● Fundador: Bill Griggs
● Sede mundial: Londres, Inglaterra
● Proprietário da marca: Dr. Martens Plc
● Capital aberto: Sim (2021)
● CEO: Kenny Wilson
● Faturamento: £672 milhões (2019/2020)
● Lucro: £74.8 milhões (2019/2020)
● Valor de mercado: £4.9 bilhões (março/2021)
● Lojas: 130
● Presença global: 65 países
● Presença no Brasil: Sim
● Funcionários: 1.500
● Segmento: Moda casual
● Principais produtos: Botas, calçados e acessórios
● Concorrentes diretos: Timberland, Wolverine, CAT, Red Wings Shoes, Oak Street, L.L. Bean, Hunter e Steve Madden
● Ícones: O coturno 1460
● Slogan: Tough as you.
● Website: www.drmartens.com
A marca no mundo
A Dr. Martens vende anualmente mais de 11 milhões de pares de calçados, incluindo seus tradicionais coturnos e botas, em mais de 65 países ao redor do mundo. Apesar de contar com 130 lojas próprias em todo o mundo, a maior parte da receita vem da venda por meio de outros varejistas. Em 2020, a loja online, que espera ser “o principal motor de crescimento nos próximos anos”, foi responsável por um quinto das vendas, que totalizaram £672 milhões.
Você sabia?
● A influência das botas Dr. Martens é histórica. Por exemplo, Viv Albertine, guitarrista da banda punk Slits, quebrou as normas e inovou ao se tornar, provavelmente, a primeira mulher a usar a bota tradicionalmente masculina com um vestido. Já Elton John ousou ao utilizar botas Dr. Martens gigantes em uma ópera rock, do The Who.
● A marca frequentemente é referida como Doc Martens.
As fontes: as informações foram retiradas e compiladas do site oficial da empresa (em várias línguas), revistas (Fortune, Forbes, Newsweek, BusinessWeek e Exame), sites especializados em Marketing e Branding (BrandChannel e Interbrand) e Wikipedia (informações devidamente checadas).
Última atualização em 2/3/2021
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